quarta-feira, 28 de maio de 2014

CONCEITO DE COMIDA TRADICIONAL PORTUGUESA COM INGREDIENTES DE QUALIDADE


Saindo fora dos habituais roteiros dos restaurantes portuenses, normalmente entre a baixa e a foz, surge este Paparico quebrando a regra e mostrando que é possível ter sucesso onde menos se espera. Localizado na Rua Costa Cabral, bem próximo da Igreja da Areosa, o restaurante fica num pequeno e antigo edifício, que mantendo a sua traça original foi recuperado por Sérgio Cambas (o jovem proprietário) para sentar confortavelmente cerca de 40 pessoas.

O espaço é pequeno e acolhedor, com uma decoração clássica que nos transporta para as salas de casa dos avós e nos transporta para um ambiente bem diferente do exterior. Ao entrar , é preciso bater à porta, ou não quisesse Sérgio que os seus clientes se sentissem em casa (só falta a chave, é certo). Destaque para o bar que dá acesso à sala de jantar, onde é possivel dar vida ao epicurista que há em cada um de nós com a melhor seleção de destilados escoceses, gins e charutos que o Porto tem para oferecer.

Indicando-nos a mesa, Sérgio Cambas (que é também Chefe de sala e já passou pela chefia da cozinha em jeito de one man show), indica-nos o seu conceito de partilha para as entradas e os pratos principais (todos para duas pessoas), enquanto nos apresenta as entradas frias que nos aguardavam na mesa, salada de bacalhau, terrina de vitela arouquesa e um queijo de Azeitão que acabamos por declinar.

Salada de Bacalhau, crocante de Broa de Avintes, cebola e salsa (7,5€)

Bonita apresentação na interessante reinterpretação do clássico, com um bacalhau de qualidade, bem demolhado e com pedaços generosos, a contrastar muito bem com a textura do crocante de broa de Avintes. Um excelente início.

Terrina de Vitela Arouquesa, Vinho do Porto e erva doce (5,5€)

Se o bacalhau estava bom esta entrada estava ainda melhor, Terrina preparada com os fígados e envolvida numa gelatina de vinho do Porto, que nos transporta para uma versão portuguesa da tangerina de Heston Blumenthal. Boa a cremosidade da terrina que funcionou muito bem com lado doce do Porto e as torradas rústicas de boa qualidade.

Enquanto vamos aguardando a entrada quente vamos-nos vingando no pão de boa qualidade e no fresco azeite da Quinta do Vale Meão.


Alheira de Caça, Espargos, cogumelos e ovo roto (9€)
A entrada foi gentilmente feita para ser partilhada pelos dois comensais. Num conjunto bem apresentado de ingredientes de qualidade. Boa alheira de caça e cogumelos e espargos no ponto, com todos os elementos muito bem ligados pela gema. Reconfortante.


Lombo de Vitela, molho de tutano e míscaros silvestres (36€ 2px)
Já começo a ficar habituado à confusão de nomes em que os cogumelos estão envolvidos, sempre apelidados de nomes mais bonitos que normalmente o seu, como aqui os míscaros que eram na verdade cogumelos de vários tipos e cuja “silvestralidade” seria questionável. Erro comum. Passando ao prato, tudo estava certeiro, a carne era de grande qualidade , a cozedura estava no ponto e a sua textura rivalizava com o sabor. O molho de  tutano ao qual se juntaram os cogumelos, valia também ele por si só, um grande molho, sem dúvida. A acompanhar, um não menos destacável puré de batata com cebola caramelizada, excelente cremosidade e sabor do puré a funcionar muito bem com a doçura da cebola e o leve sabor dos cominhos. Um grande Prato.


Tarte de Limão desconstruída
Uma versão da clássica tarte de limão merengada, com curd de limão, merengue, suspiro, crocante de bolacha e um bom sorvete, resultando num conjunto fresco, pouco doce e com uma acidez elevada o que não a tornará uma sobremesa fácil para todos os gostos. É no entanto um excelente final para uma refeição já de si pesada.


Mousse de Chocolate
O prato menos conseguido da noite, com a mousse a apresentar uma textura mais próxima da ganache sem ar e leveza. Bons os restantes elementos, mas um conjunto que precisa de apuro.

A carta de vinhos é um dos pontos em que o Paparico mais tenta destacar-se, com excelentes opções meticulosamente escolhidas por Sérgio Cambas (quem mais) e o seu escanção. As referências são mais que muitas, com a disponibilidade de  várias colheitas para um mesmo vinho, numa carta muito bem organizada. O Serviço complementa a oferta de vinhos e tudo está de acordo para garantir que é um dos melhores do País. Acompanhamos muito bem a refeição com um CARM Reserva de 2009(?).

O Serviço de sala tal como o de vinhos é meticuloso e experiente, onde o cliente é bem “apaparicado”  e nenhum pormenor é deixado ao acaso, estando em muitos aspectos ao nível (e acima) de muitos restaurantes com estrelas no guia vermelho.

Considerações Finais
Existem poucos espaços como este Paparico e talvez menos pessoas ainda como o seu proprietário. O Conceito de comida tradicional Portuguesa com ingredientes de qualidade, beneficiada por técnicas atuais e uma nova roupagem, é uma aposta certeira e que em muito poucos sítios é tão bem conseguida como aqui. É verdade que o espaço vive da paixão de Sérgio Cambas que cativa e conquista tanto turistas (é fluente numa série de idiomas) como portugueses, num jeito único de mestria hospitaleira. Não é um restaurante barato ou para o dia a dia, como tantas vezes se confunde e se maltrata a cozinha tradicional, mas sim um espaço exclusivo que merece ser visitado.

Ao que sei,  vão também eles viajar até à baixa do Porto, com a abertura de uma Cervejaria Portuguesa, ficamos a aguardar.

in Flavors and Senses